por Dr. Andrei

“Cuidados pessoais com higiene das mãos, uso de máscaras, e evitar frequentar ambientes com muitas pessoas sem necessidade são medidas efetivas, gratuitas e que salvaram e continuarão salvando vidas até
termos a vacina”

 
O ano que estamos vivendo iniciou-se como naturalmente se apresenta um novo ano. Projetos
construídos, expectativas, objetivos a serem alcançados etc. Porém, com a pandemia de COVID - 19 todos foram inseridos em um tempo de medo como poucos entre nós já haviam vivenciado. Minha profissão me trouxe
experiências e desafios que jamais esperei enfrentar neste momento da minha vida.


Eu, Andrei Meira de Oliveira Martins, fui convidado a relatar a minha experiência no enfrentamento da pandemia.
Nasci no interior de Goiás, graduei-me na universidade UniEvangelica em Anápolis - GO. Fui convidado pelo meu
irmão, Dr. André Luciano Martins, para vir trabalhar aqui em Campo Novo do Parecis - MT, a cidade ofereceu tudo
que gosto: uma vida mais tranquila, bons amigos e pescarias.
No aspecto profissional foi um desafio voltar a trabalhar no ambiente de emergência, no Hospital Euclides Horst, porem, em pouco tempo eu me adaptei. Me tornei servidor do município e esse
período coincidiu com o início da pandemia no Brasil.


Os primeiros casos apresentados no estado de São Paulo trouxeram o início do medo e apreensão. Comecei
acompanhar as notícias pelos jornais e estudos científicos, para entender o desenrolar da pandemia pelo mundo.

Como quase tudo que vem do exterior, primeiro a covid desembarcou nas capitais e foi se capilarizando para
o interior do país, atingindo Campo Novo mais tardiamente. Fui alocado na Vigilância Epidemiológica por determinação da Fabiana Antunes, à época Secretária de Saúde, com um time já experiente em surtos e epidemias.
Comecei a trabalhar com a Priscila Miranda, Tânia dos Santos e Márcia Stangherlin.
Elas me orientaram, ensinando os protocolos de segmento dos casos de doenças já presentes em nosso meio: tuberculose, hantavírus, HIV, dengue, hanseníase etc.


O município se preparou, me lembro que nos reunimos no hospital convocados pelo Dr. Juliano Leiner, ele nos
trouxe informações e possibilidadespara o enfrentamento. Insegurança e medo tomaram conta de todos, ainda
na época esperávamos uma doença que ceifasse sem piedade centenas de idosos.

A Itália passava pelo seu pior período, caminhões militares carregando centenas de corpos, médicos tendo em suas
mãos a escolha de quem deveria ser tratado ou morrer sem assistência.
Esse dilema me angustiava, tive medo pelos meus pais, já são idosos e estavam mais suscetíveis à doença.
Foram criados protocolos e planos de ação para o enfrentamento. Uma guerra estava acontecendo lá fora e esperávamos por ela com apreensão.


Houve um erro de cálculo para o início dos casos nas cidades interioranas em todo país e o atraso no aparecimento dos primeiros casos causou uma espécie de descrédito na gravidade da situação.
O estado de sítio com fechamento de diversas áreas do comércio foi feito precocemente sem levar em consideração a capilaridade da progressão da pandemia.
Veio com isso o início do caos econômico e ensaiou-se um cenário no país em que acreditar nas consequências
do vírus dependia do cenário político. Como médico, tinha que convencer as pessoas que se tratava de uma doença
e não um fato político. Uns apoiando o atual presidente, que pregava uma pandemia sem consequências e com
perdas aceitáveis em vidas humanas.

Outros, oposição, pregando o fim do mundo por conta de uma pandemia que ocorria durante o governo Bolsonaro, pois apenas esquerdistas eram capazes de salvar a humanidade com suas habilidades e experiência em
pandemias. Estou sendo irônico, pois apesar do que muitos pensavam, não havia um manual ou uma forma conhecidamente eficaz para combater a infecção e controlar todos aspectos relacionados a ela.


Os primeiros casos apareceram em Campo Novo. Doença nova, vírus novo, meios de propagação e de patologia desconhecidos. O método cientifico, como sempre, foi a ferramenta que salvou milhares de vidas. Em pouco tempo
tinha-se diversas informações sobre o comportamento da doença e fatores que levavam à doença grave.

Estabelecemos com segurança os grupos de maior risco e pudemos dar maior atenção a eles. Porém faltava a
cura, não existia ainda um meio cientificamente eficaz para reduzir a mortalidade. Então veio a hidroxicloroquina,
associada à azitromicina. Como médico reservei-me em prescrever o medicamento, não havia evidência do funcionamento contra o vírus. Com o avançar dos dias não nos foi apresentada alternativa e comecei a estudar e tentar entender o impacto dessa medicação na nossa população.


Quando nos tornamos médicos proclamamos um juramento e em comum com meus colegas seguimos os rígidos
princípios da bioética, da autonomia, da não maleficência, da beneficência e da justiça.
Em um tempo com decisões difíceis e que impactariam em milhares de vidas em nossa cidade eu me guiei por esses princípios para, no fim, decidir prescrever as medicações acima citadas.


Fomos autorizados pelo Conselho Federal de Medicina a prescrever a medicação e eu o fazia sempre explicando aos pacientes o caráter experimental do uso e os possíveis efeitos colaterais.
Tomei esta decisão, pois, outros meios de combater o vírus não eram descobertos e já se ensaiavam em alguns resultados parciais o efeito positivo em outras populações. Essas duas medicações já eram utilizadas com segurança para tratamento de doenças infecciosas e auto-imunes como a malária e os lúpus.


O possível risco oferecido era muitobaixo e já conhecido, visto que as medicações já estão presentes há décadas nos receituários médicos. Os possíveis benefícios eram grandes e fazendo essa simples conta entre risco e benefício eu prescrevi e orientei o uso aos pacientes que prestei atendimento.
Muitos se recusaram a usar apenas pelo aspecto político ou pelo medo propagado por pessoas irresponsáveis, mas não me desestimulei e por diversas vezes consegui retirar a sombra do medo de meus pacientes.
Já se iam quatro meses de enfrentamento em nosso município e houve mortes, perdas que jamais teremos
como mensurar.

Nesse período comecei a apresentar os sintomas e me isolei. Experimentei a sensação de estar doente e sem
uma medicação que seguramente me salvaria. Usei todas as medicações dos protocolos que adotamos no municí-
pio. Senti na pele a insegurança de poder estar morto dentro de poucos dias, porém Deus protegeu minha vida. Fui
assistido e acompanhado pelos meus colegas, principalmente Dra. Patrícia Bernardes. 
Senti-me aconchegado e querido por meus amigos. Aos poucos os sintomas regrediram e ao passar o período de maior gravidade eu soube que me restabeleceria.

O fim da primeira onda de infecção foi decretado. Nesse período de estabilidade estamos nos preparando para a
segunda onda de pacientes infectados, esse padrão tem sido observado em grandes capitais e centros urbanos.
Logo mais nossa cidade terá um a um ento de casos, porém bem menor que o primeiro e este nos alcançará enquanto estamos mais preparados contra a doença.
Faço parte de uma equipe de Saúde competente e temos trabalhado para não parar a cidade, pois a queremos funcionando a todo vapor, mas também protegendo nossos cidadãos do risco de morte pelo COVID.


Meu pedido pessoal aos leitores deste texto é que se cuidem e cuidem de seus familiares, principalmente pertencentes aos grupos de risco. Ainda não vencemos totalmente a guerra, temos esperança em uma vacina eficaz que salvará a vida das pessoas que amamos. Cuidados pessoais com higiene das mãos, uso de máscaras, e evitar frequentar ambientes com muitas pessoas sem necessidade são medidas efetivas, gratuitas e que salvaram e continuarão salvando vidas até termos a vacina.

“Ainda não vencemos totalmente a guerra, temos esperança em uma vacina eficaz que salvará a vidadas pessoas que amamos"


Espero que nesse próximo ano tenhamos um patamar diferente e um maior
controle da pandemia com as ferramentas que conseguimos construir.
Meus sinceros agradecimentos a todos e tenham certeza que sempre darei o meu melhor.
FELIZ 2021.
ANDREI MEIRA DE OLIVEIRA
MARTINS
CRM -MT 11035
Graduado pela Universidade UniEvangelica em Anápolis - GO.